Joanna de Ângelis, ao referir-se, à questão dos mitos na obra Dias
Gloriosos¹, abre discussão para uma questão de suma importância para nós
espíritas, não só pela importância dos aspectos antropológico e
sociológico no desenvolvimento do homem, como também pela abordagem
quanto ao desenvolvimento dos aspectos psicológico e espiritual deste
mesmo.
São muitos os estudos da ciência oficial, que vêm nos
revelar a questão da inserção dos mitos dentro da história evolutiva do
homem, seja no estudo da mitologia oriental, seja no estudo da mitologia
egípcia, quanto da mitologia greco-romana, todos esses estudos vêm
revelar a herança arquetípica desses enredos, que povoam a mente humana
até os dias atuais.
Herculano Pires na obra O Espírito e o
Tempo2, ao tratar do horizonte agrícola, procura demonstrar o
desenvolvimento mental do homem, através de um processo de
racionalização anímica, que se dá inicialmente pela personificação de
aspectos e elementos da natureza. Nesse processo o homem primitivo
envolve dois elementos gerais do Universo: a Terra-mãe e o Céu-pai,
surgindo assim, as primeiras formas de fetiche do homem primitivo,
formas essas que segundo Herculano Pires, devem constituir a base de
todo processo de racionalização anímica.
O deus sol, a divindade
lunar, o trovão, a montanha sagrada, os espírito da água, do fogo e do
vento, são evidências de que as tribos realizaram a personificação dos
elementos da natureza através do mediunismo, pois este era um aspecto
que tinha influência na sobrevivência dos povos; isso era fruto de
experiências concretas e não apenas para permitir que o mundo exterior
fosse compreendido de forma racional como querem os materialistas, ou
seja, existia a crença que as forças e os elementos da natureza eram
obras ou manifestações de entidades invisíveis e que os fenômenos e
forças da natureza eram capazes de intervir nos assuntos humanos.
Segundo o antropólogo inglês Edward Burnett Tylor, na obra Primitive
Culture (A Cultura Primitiva -1871), a questão do animismo presente
entre as sociedades primitivas, vem demonstrar que a noção de alma é
desenvolvida pelo homem da época que, ao observar as experiências do
sono, da doença, da morte e sobretudo, dos sonhos, é levado a imaginar a
existência de uma alma ou de um “duplo etérico”, se assim podemos
chamar, e que esse elemento insubstancial podia atuar com independência
e até sobreviver ao corpo depois de sua morte. Essa crença de que a
alma sobrevive à morte explica as primeiras manifestações de culto aos
ancestrais.
Deve-se ficar claro que as idéias de Tylor tiverem
grande influência à época, contudo, foram contestadas por estudos
posteriores que mostram, por exemplo, que em algumas comunidades
primitivas, a crença em um ser superior surgiu sem terem esses povos,
estagiado pela fase do animismo. Não podemos negar, entretanto, que a
importância do culto aos ancestrais inspirou filósofos e historiadores
como Evêmero, no século IV a.C., a considerá-lo a origem da religião. As
sepulturas datadas do período paleolítico reforçam essa opinião, pois
comprovam já haver naquele período uma crença na vida após a morte e no
poder ou influência dos ancestrais sobre a vida cotidiana do clã
familiar. Os integrantes do clã obrigavam-se a praticar ritos em
homenagem a seus mortos pelo temor a represálias ou pelo desejo de obter
benefícios, ou ainda, por considerá-los seres divinizados.
É
interessante observar que os estudos das mitologias, principalmente os
da mitologia egípcia, mostram que pessoas que tinham algum poder oculto
não compreendido pelo vulgo, ou tinham influência entre as famílias,
tornavam-se após a morte deuses familiares, como é o caso de Bês “o
anão”, que originalmente era o deus protetor da realeza do Egito, mas
que gradualmente tornou-se um deus popular nas casas de todo Egito,
especialmente entre as massas comuns.
Cabe lembrar que os deuses
familiares, com o tempo, passam à condição de deuses universais, em
virtude de serem vistos mediunicamente por outras pessoas, fora dos clãs
familiares, tornando-se assim populares com o tempo, até atingir a
condição de cultuados por toda uma nação, processo este similar aos
santos da igreja católica.
É imperioso ressaltar que os espíritos
responsáveis pela codificação informam claramente a Kardec na questão
521 de O Livro dos Espíritos, que as Musas nada mais eram do que a
personificação alegóricas dos espíritos protetores da ciência e das
artes, assim como os deuses Lares e Penates cultuados na mitologia
romana, não eram senão a personificação alegórica dos espíritos
protetores da família.
O Codificador aprofunda o tema politeísta,
quando na questão 667 de O Livros dos Espíritos, indaga as entidades
venerandas: “Por que razão, não obstante ser falsa, a crença politeísta é
uma das mais antigas e espalhadas?”, ao que os Espíritos lhe respondem:
"A concepção de um Deus único não poderia existir no homem, senão como
resultado do desenvolvimento de suas idéias. Incapaz, pela sua
ignorância, de conceber um ser imaterial, sem forma determinada, atuando
sobre a matéria, conferiu-Lhe o homem atributos da natureza corpórea,
isto é, uma forma e um aspecto e, desde então, tudo o que parecia
ultrapassar os limites da inteligência comum era, para ele, uma
divindade. Tudo o que não compreendia devia ser obra de uma potência
sobrenatural. Daí a crer em tantas potências distintas quantos os
efeitos que observava, não havia mais que um passo. Em todos os tempos,
porém, houve homens instruídos, que compreenderam ser impossível a
existência desses poderes múltiplos a governarem o mundo, sem uma
direção superior, e que, em conseqüência, se elevaram à concepção de um
Deus único."
Diante da resposta dos Espíritos à questão 667,
fica-nos muito claro que o aspecto mitológico não é apenas um processo
de racionalização, pois demonstra claramente a participação dos
Espíritos na História, além de ser também, uma fonte de esclarecimentos
dos problemas religiosos e principalmente da mitificação que se perpetua
nos dias atuais ainda que subliminarmente.
É imensurável em
todos os aspectos o esforço de Allan Kardec no sentido de legar à
humanidade uma doutrina livre de atavismos, vícios religiosos e dogmas
de qualquer espécie, porém, como as pessoas não estão habituadas ao
estudo sério e profundo dos temas do espírito e sim voltadas para os
assuntos do cotidiano, continuam a criar novos mitos e heróis que venham
completar esse vazio causado pala ausência de uma cultura mais
espiritualizada.
É por esse fato, que nos deparamos com esse tipo
de comportamento nos ambientes espíritas. A mitificação de espíritos
desencarnados e a inserção da práticas atávicas à doutrina têm se
tornado comum para muitos espíritas que, pela falta de estudo, perdem a
capacidade de análise dos fatos e introjetam o posicionamento dos
desencarnados para qualquer situação, deixando de ter uma opinião
própria quando se faz necessária, ou como diria Kardec uma fé
raciocinada.
Começam então a surgir os “emanuelistas”, os
“andreluizistas”, e tantos outros “istas”, que colocam tais espíritos na
condição de gurus pessoais; obviamente que nada temos contra esses
espíritos e nem contras suas obras, pois sabemos da envergadura
espiritual que eles detêm e que as suas obras têm importância fulcral
para os estudo do Espiritismo, isso é fato; contudo, dar a estas
entidades a condição de mitos, colocá-las muitas vezes acima do
Codificador, beira àquilo que chamamos de absurdos doutrinários.
Como se isso não fosse suficiente temos também os mitificadores de
espíritos encarnados; agora já existem os “chiquistas”, os
“divaldistas”, os “teixeiristas” e outros mais. As pessoas estão
endeusando esses missionários do plano espiritual, justamente por
desconhecerem a codificação, alguns inclusive introjetam-se de tal forma
nesses companheiros, que até a forma de falar e os trejeitos, são
claramente copiados em palestras públicas.
Mitos como, Pe.
Cícero, Antônio Conselheiro e outros, foram criados pelo povo
nordestino, que os julgavam legítimos representantes de Deus aqui na
Terra, com poderes para amenizar suas misérias e sofrimentos causados
pela seca e abandono dos governantes. Será que nós também não estamos
criando mitos para servirem de embaixadores, junto a divindade para
cuidarem dos nossos interesses assim na terra como no céu? Será que as
excursões para lugares “santos”: Uberaba, Bahia, etc, não se constituem
no fundo, verdadeira romarias?
Definido como recurso ideológico o
mito não constitui a negação das coisas. Ao contrário, o mito penetra
na linguagem para falar das coisas; é por isso mesmo que o Mestre Jesus
utilizava-se de figuras alegóricas, não para aprisionar o homem ao
símbolo, mas para ilustrar um fato através dele. O que se percebe frente
ao que está acontecendo é que muitos espíritas estão tão presos a
símbolos, mitos e fantasias quanto os irmãos de outras crenças.
Faz-se necessário, então, que as instituições espíritas busquem uma
melhora qualitativa nos campos da divulgação e formação doutrinária,
oferecendo tanto aos neófitos, quanto aos demais cooperadores da casa
espírita, uma informação segura e plenamente balizada no legado
Kardeciano, a fim de que, a Doutrina possa seguir firme, livre de
sincretismos e fantasias.
Artigo publicado pela RIE – Revista Internacional de Espiritismo Ano LXXVII – Nº 8 – MATÃO, setembro 2002 – Editora: O Clarim -www.oclarim.com.br
1- FRANCO, Divaldo P., Dias Gloriosos – Pelo Espírito Joanna de Angelis
– Salvador (BA): Livraria Espírita Alvorada 1999, p. 207-211
2- PIRES, José Herculano. O Espírito e o Tempo – Edicel, cap. 1 e 2
Bibliografia
1- Enciclopédia Barsa
2- Enciclopédia Britânica
3- Atlas da História Universal
4- SAVELE, Max, História da Civilização Mundial
5- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos
6- CAMPBEL, Joseph. O Poder do Mito
7- JUNG, Carl Gustav. O Homem e Seus Símbolos
8- FRANCO, Divaldo P. O Ser Consciente – Pelo Espírito Joanna de Ângelis
9- FRANCO, Divaldo P. O Homem Integral – Pelo Espírito Joanna de Ângelis
10- PIRES, José Herculano. O Espírito e o Tem
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