MORTE
Sendo a mente o espelho da vida, entenderemos sem
dificuldade que, na morte, lhe prevalecem na face as imagens mais
profundamente insculpidas por nosso desejo, à custa da reflexão
reiterada, de modo intenso. Guardando o pensamento — plasma fluídico — a
precisa faculdade de substancializar suas próprias criações,
imprimindo-lhes vitalidade e movimento temporários, a maioria das
criaturas terrestres, na transição do sepulcro, é naturalmente obcecada
pelos quadros da própria imaginação, aprisionada a fenômenos
alucinatórios, qual acontece no sono comum, dentro do qual, na maioria
das circunstâncias, a individualidade reencarnada, em vez de retirar-se
do aparelho físico, descansa em conexão com ele mesmo, sofrendo os
reflexos das sensações primárias a que ainda se ajusta.
Todos os
círculos da existência, para se adaptarem aos processos da educação,
necessitam do hábito, porque todas as conquistas do espírito se efetuam
na base de lições recapituladas.
As classes são vastos setores de
trabalho específico, plasmando, por intermédio de longa repercussão, os
objetivos que lhes são peculiares naqueles que as compõem.
É assim
que o jovem destinado a essa ou àquela carreira é submetido, nos bancos
escolares, a determinadas disciplinas, incluindo a experiência anterior
dos orientadores que lhe precederam os passos na senda profissional
escolhida.
O futuro militar aprenderá, desde cedo, a manejar os
instrumentos de guerra, cultuando as instruções dos grandes chefes de
estratégia, e o médico porvindouro deverá repetir, por anos sucessivos,
os ensinos e experimentos dos especialistas, antes do juramento
hipocrático.
Em todas as escolas de formação, vemos professores
ajustando a infância, a mocidade e a madureza aos princípios
consagrados, nesse ou naquele ramo de estudo, fixando-lhes personalidade
particular para determinados fins, sobre o alicerce da reflexão mental
sistemática, em forma de lições persistentes e progressivas.
Um
diploma universitário é, no fundo, o pergaminho confirmativo do tempo de
recapitulações indispensáveis ao domínio do aprendiz em certo campo de
conhecimento para efeito de serviço nas linhas da coletividade.
Segundo o mesmo principio, a morte nos confere a certidão das
experiências repetidas a que nos adaptamos, de vez que cada espírito,
mais ou menos, se transforma naquilo que imagina.
É deste modo
que ela, a morte, extrai a soma de nosso conteúdo mental, compelindo-nos
a viver, transitoriamente, dentro dele. Se esse conteúdo é o bem,
teremos a nossa parcela de céu, correspondente ao melhor da construção
que efetuamos em nós, e se esse conteúdo é o mal estaremos
necessariamente detidos na parcela de inferno que corresponda aos males
de nossa autoria, até que se extinga o inferno de purgação merecida,
criado por nós mesmos na intimidade da consciência.
Tudo o que
foge à lei do amor e do progresso, sem a renovação e a sublimação por
bases, gera o enquistamento mental, que nada mais é que a produção de
nossos reflexos pessoais acumulados e sem valor na circulação do bem
comum, consubstanciando as idéias fixas em que passamos a respirar
depois do túmulo, à feição de loucos autênticos, por nos situarmos
distantes da realidade fundamental.
É por esta razão que morrer
significa penetrar mais profundamente no mundo de nós mesmos, consumindo
longo tempo em despir a túnica de nossos reflexos menos felizes,
metamorfoseados em região alucinatória decorrente do nosso monoideísmo
na sombra, ou transferindo-nos simplesmente de plano, melhorando o clima
de nossos reflexos ajustados ao bem, avançando em degraus conseqüentes
para novos horizontes de ascensão e de luz.
EMMANUEL
(Pensamento e Vida, 29, Francisco Cândido Xavier)
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